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Relatório do Ministério dos Transportes não apresenta plano concreto contra impactos ambientais de obras na BR-319

Entre os pontos positivos apontados no relatório do governo, está a sugestão da criação de uma unidade gestora intergovernamental

Por Emanuelle Araujo Melo de Campos, UP Comunicação
segunda-feira, 24 de junho de 2024
 
 
 

Relatório do Ministério dos Transportes não apresenta plano concreto contra impactos ambientais de obras na BR-319
BR-319 / Foto: © Izabel Santos

Organizações da sociedade civil se manifestaram sobre o relatório do Grupo de Trabalho (GT) BR-319, produzido pelo Ministério dos Transportes. Em nota de posicionamento divulgada nesta sexta-feira, dia 21 de junho, assinada pelos coletivos Observatório BR-319, Observatório do Clima e GT Infraestrutura e Justiça Socioambiental, as organizações reconhecem a importância do documento em relação às questões em torno das obras de recuperação da rodovia, assim como a abordagem de demandas defendidas há anos pela sociedade civil. No entanto, apontam preocupação com a falta de um planejamento operacional detalhado para enfrentar os impactos socioambientais com uma possível repavimentação da rodovia.

As organizações enfatizam que não são contra as obras na BR-319, mas defendem um processo decisório que respeite a legislação brasileira voltada para a proteção do meio ambiente e priorize um licenciamento ambiental inclusivo, alinhado com os direitos das populações impactadas e com a sustentabilidade socioambiental do Interflúvio Madeira-Purus. 

Entre os pontos positivos apontados no relatório do governo, está a sugestão da criação de uma unidade gestora intergovernamental, porém o documento não traz detalhes sobre recursos e cronograma, nem ações efetivas para criar condições reais de governança territorial na BR-319.

“Antes que se fale em repavimentação é preciso ter um plano concreto e recursos que garantam a atuação fortalecida dos órgãos públicos para a devida gestão do território, garantindo a integridade ambiental e os direitos de povos indígenas,  comunidade tradicionais e agricultores familiares. A realidade que vemos é que na região de influência da rodovia, não existem recursos suficientes nem para implementação e proteção das Unidades de Conservação já existentes. Estão passando o carro na frente dos bois, falando em repavimentação antes de gestão, e já vimos que, na Amazônia, isso só resulta em destruição da floresta e problemas sociais”, afirmou a secretária-executiva do Observatório BR-319, Fernanda Meirelles. 

Para as organizações, repavimentar a rodovia sem levar em conta a falta de governança ambiental da região vai impactar negativamente ações de combate a queimadas, desmatamento, mudanças climáticas e proteção de áreas protegidas. Para isso, é necessário que o governo federal assegure recursos financeiros e humanos. A nota também enfatiza que a licença prévia concedida para obras no trecho do meio da BR-319 está judicializada e é nula.

“Não há como dar continuidade ao processo de licenciamento da reconstrução e pavimentação do trecho do meio da BR-319. A licença prévia concedida pelo governo Bolsonaro está eivada de nulidade. Atestou-se a viabilidade ambiental da obra sem qualquer garantia de controle do desmatamento e dos impactos socioambientais, bem como sem a consulta prévia às comunidades locais”, alertou a coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo.
Outro ponto de crítica ao relatório é que o documento ignora pareceres e notas técnicas de órgãos como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) sobre as graves consequências que o asfaltamento da BR-319 pode trazer ao meio ambiente. Ao invés disso, o GT sustenta que a BR-319 é "ambientalmente viável". O GT também ignorou informações produzidas pela academia e sociedade civil que apontam preocupações ambientais, sociais e econômicas sobre os impactos da recuperação da rodovia.

“Se a opção é pela repavimentação da BR-319, o governo federal deve conduzir um planejamento operacional  - com recursos, cronograma e capacidades institucionais - com ações efetivas para enfrentar os riscos e problemas existentes e criar condições efetivas de governança territorial”, destacou o membro da secretaria executiva do GT Infra, Brent Millikan. “Este plano deve incluir ações a serem iniciadas antes das obras, com metas claras, inclusive para servirem de 'gatilho' para o início das mesmas. Para avançar nesta direção, o atual GT BR-319  deveria ser ampliado para se tornar um comitê interministerial, envolvendo o comando do governo (Casa Civil/SG/PR) e órgãos chave como MMA/ICMBio/Ibama,  MDA/Incra e MPI/Funai, Iphan/MinC - contando com espaço institucional para a participação de representantes da sociedade civil”, completou Millikan.

Participação da sociedade civil
A nota também destaca informações distorcidas no relatório sobre a ampla participação da sociedade civil e dos povos indígenas nas audiências públicas do GT BR-319. A mais grave é a de que um representante do povo indígena Parintintin teria relatado que são favoráveis à rodovia e que houve aprovação dos estudos, apresentados em audiências públicas como requisito para emissão da licença prévia. A informação é negada pela liderança Raimundo Parintintin, que participou da audiência, mas como coordenador-regional da Coordenação Regional Madeira, da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). 

O relatório também afirma que não houve contribuições ou apontamentos por parte das organizações da sociedade civil convidadas para as audiências públicas a respeito das obras na BR-319; porém, o convite às organizações foi feito em cima da hora, impossibilitando a participação presencial. O GT também não disponibilizou links para a participação on-line das organizações. 

"O relatório técnico elaborado em 90 dias pelo Grupo de Trabalho apresenta lacunas significativas que comprometem a capacidade de abordar e gerir adequadamente os impactos ambientais e sociais de um projeto de tal magnitude", diz trecho da nota das organizações. 

A nota de posicionamento completa, com recomendações das organizações membro das redes, pode ser acessada em https://observatoriobr319.org.br/wp-content/uploads/2024/06/Nota-de-Posicionamento-sobre-o-relatorio-do-GT-BR-319-do-Ministerio-dos-Transportes.pdf.

Quem assina a nota
O Observatório BR-319, o Observatório do Clima e o GT Infraestrutura e Justiça Socioambiental são coletivos formados por cerca de 150 organizações da sociedade civil com atuação em diversos temas transversais à pauta socioambiental e que atuam na Amazônia.

O Observatório BR-319 (OBR-319) é formado por 14 organizações e, desde 2017, atua na área de influência da rodovia BR-319, formada por 13 municípios, 42 Unidades de Conservação (UCs) e 69 Terras Indígenas (TIs), entre os estados do Amazonas e de Rondônia. Esta rede tem o objetivo de produzir informações sobre a rodovia e os processos necessários para a adoção de medidas adequadas à realidade local, para o apoio técnico às populações locais para o manejo sustentável de recursos florestais e pesqueiros, gerando renda, incentivando o fortalecimento da organização sociocultural dessas populações e contribuindo para o desenvolvimento no Interflúvio Madeira-Purus.

O Observatório do Clima, por sua vez, é uma associação civil sem fins lucrativos e econômicos, fundada em 2002, que tem por finalidade a defesa e promoção da segurança climática e do meio ambiente por meio das suas mais de cem organizações membro. Para tanto, desenvolve uma série de atividades, dentre elas a propositura de ações judiciais. Sua atuação na área é pautada pelo rigor técnico, estudos, produção de dados e interlocução com o Poder Público e sociedade civil, sendo organização de referência na matéria objeto desta lide.

Desde 2012, o GT Infraestrutura e Justiça Socioambiental tem atuado como rede de entidades da sociedade civil brasileira voltada para a incorporação da justiça socioambiental em políticas, programas e projetos de infraestrutura, especialmente nos setores de transporte e energia, com destaque para a região amazônica.Sua atuação tem se caracterizado pelo enfrentamento de ameaças de obras de alto risco socioambiental e na reparação de danos de projetos existentes como no apoio a iniciativas inovadoras de boas práticas, protagonizadas por comunidades locais, movimentos sociais e seus parceiros, caracterizadas pela integração das dimensões socioculturais, ambientais e econômicas do desenvolvimento sustentável na sua concepção e implementação.

 

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